A existência da Lei 12.711/2012 é resultado direto das lutas populares, em especial da luta do movimento negro e do movimento de mulheres negras, pelo acesso à educação de qualidade. Desde a redemocratização, a partir da inclusão da temática racial na Constituição de 1988, o Brasil comprometeu-se formalmente a desenvolver políticas públicas para reverter as muitas décadas de acúmulo de desigualdades raciais no país. Apesar do compromisso formal, foram as reivindicações constantes que garantiram os avanços que observamos atualmente. Na década 1990, um exemplo foi a Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida (1995). Em resposta a esta grande mobilização, o governo federal criou o Grupo de Trabalho Interministerial de Valorização da População Negra (1995) que ficou responsável por propor ações integradas para combate ao racismo, entre elas a implementação de ações afirmativas para negros.
É importante rememorar que na década anterior, em 1983, Abdias do Nascimento, como Deputado Federal, apresentou o projeto de lei 1332/1983 que propunha “(…) ação compensatória visando a implementação do princípio da isonomia social do negro, em relação aos demais elementos étnicos da população brasileira (…)”, prevendo a reserva de 20% de vagas para negros em seleções públicas. Necessário relembrar também que o movimento contemporâneo de mulheres negras é protagonista na compreensão de que o campo da educação é uma arena promissora para emancipação social negra, desenvolvendo importante trabalho de controle social nas escolas. Note-se que democratização do ensino é historicamente central para luta antirracista no Brasil.
O ano de 2012 foi um marco temporal relevante nas discussões sobre ações afirmativas no país, dois fatos demonstram isso, são eles: a decisão do STF na ADPF 186 pela constitucionalidade das cotas étnico raciais e a sanção da Lei 12.711/2012 pela Presidência da República. Na legislação vigente está prevista a revisão após dez anos de implementação, chegamos ao décimo ano de existência da legislação e novas disputas sobre a sua existência estão colocadas no cenário político. Várias pesquisas têm sido realizadas visando a apurar os resultados que as cotas têm gerado, entre elas, destaca-se o trabalho desenvolvido pelo Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (GEMAA) da UERJ que possui diversas publicações sobre o assunto.
Entre os principais achados das pesquisas recentes sobre as ações afirmativas no Brasil estão a diversificação dos perfis de estudantes que tem ingressado no ensino superior, a continuidade do elevado desempenho das instituições públicas de ensino e o tensionamento para ampliação das epistemologias e conteúdos programáticos dos cursos. Por outro lado, há estudos que apontam as fragilidades do sistema implementado no Brasil que permite com que fraudes ocorram e sujeitos não legítimos ocupem as vagas reservadas. Em relação às fraudes, uma solução que tem sido implementada em várias instituições são as comissões de heteroidentificação que validam a autodeclaração dos candidatos.
A Lei de cotas tem alcançado importantes resultados na democratização do ensino superior brasileiro. A sua continuidade é fundamental para reversão das desigualdades estruturais no país. O acesso à educação transforma a vida e as condições socioeconômicas de jovens negros e suas famílias, e consequentemente promove justiça social. A revisão da Lei neste ano não pode significar retrocessos em direitos alcançados.