A primeira rodada do Auxílio Emergencial, estabelecido em abril de 2020, veio como socorro do poder público brasileiro aos trabalhadores que se viram em situação de vulnerabilidade social em razão da calamidade pública gerada pela pandemia de COVID-19. Graças à articulação de organizações da sociedade civil e movimentos sociais (muito especialmente do movimento negro brasileiro), que participaram ativamente da construção da política e pressionaram parlamentares e o governo, o auxílio foi estabelecido no valor de R$ 600,00 e R$ 1.200,00 para mães-solo chefes de família.
Como em diversos outros países do mundo, compreendeu-se a necessidade e a responsabilidade do Estado diante da manutenção da vida de seus cidadãos — nós, os Brasileiros. O valor do auxílio emergencial foi utilizado pela população para compra de alimentos (53%), pagamento de contas essenciais como água e luz (25%), despesas da casa (16%) e compra de remédios (1%).
Estamos em março de 2021 e vivemos o momento mais agudo da pandemia no Brasil. São mais de mil mortes por dia há mais de um mês — na 4ª feira, 3 de março, tivemos o dia mais triste da pandemia: perdemos 1910 vidas. A vacinação ocorre de forma lenta e a perspectiva de sairmos da situação de calamidade não está próxima. Então porque o Auxílio Emergencial foi interrompido em dezembro de 2020? A pandemia não acabou.
De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a pobreza extrema atinge hoje de 10% a 15% dos brasileiros. O número de pessoas vivendo na extrema pobreza (com menos de US$ 1,90 por dia) dobrou em relação a 2019, quando a taxa foi de 6,5% da população. O fim do auxílio emergencial em dezembro de 2020 já levou 2 milhões de brasileiros para a pobreza apenas em janeiro de 2021: são 26 milhões de pessoas sobrevivendo com uma renda per capita de apenas R$ 250 por mês. E sabemos que os mais impactados por toda essa catástrofe social são as pessoas negras.
A pandemia escancarou a realidade de desigualdade que nós já conhecemos: a diferença da taxa de desemprego entre brancos e pretos atingiu o pior nível desde 2012. O índice de desemprego para pretos está em 17,8% e para brancos, essa taxa é 10,4%. Os setores da economia mais agudamente atingidos pela crise econômica foram comércio, trabalho doméstico, serviços e construção civil — setores ocupados majoritariamente por trabalhadoras e trabalhadores negras e negros. Há ainda os trabalhadores informais, também duramente atingidos, também negros. Quando pensamos que 63% dos lares chefiados por mulheres negras se encontram abaixo da linha da pobreza, e quando pensamos na situação de saneamento básico, acesso à saúde e possibilidade de realização de isolamento social, concluímos o que já observamos em outros momentos no Brasil: a ausência de políticas públicas efetivas impactou mais mulheres negras e suas famílias também na pandemia.
Concluímos o que já observamos em outros momentos no Brasil: a ausência de políticas públicas efetivas impactou mais mulheres negras e suas famílias também na pandemia.
O restabelecimento do Auxílio Emergencial é urgente: tem gente com fome. Agora. Enquanto estamos aqui lendo. O governo federal quer um auxílio de R$ 250,00 por apenas mais 4 meses. Façam as contas: é possível alimentar sua família e pagar todas as contas de um lar com R$ 250? Esse valor não cobre nem 25% do valor de uma cesta básica! Ter R$600 de auxílio emergencial é o mínimo para que o povo brasileiro possa viver com dignidade. Não é necessário PEC Emergencial, não é necessário desmonte do orçamento de políticas sociais: basta vontade política. Se o estado de calamidade segue ainda mais agudo, porque não temos o Estado brasileiro assumindo sua responsabilidade e seu dever? Tem gente com fome. E a maior parte dessas pessoas são mulheres negras e suas famílias.
Elisa de Araújo
Graduada em Relações Internacionais e pós-graduada em Direitos Humanos e Cidadania Global. Atua há 10 anos na área de relações governamentais e advocacy, com foco na promoção da participação política de organizações da sociedade civil na formulação de leis e políticas públicas. Militante da Coalizão Negra por Direitos e articuladora do Movimento Mulheres Negras Decidem.